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sexta-feira, maio 27, 2005

Constituição Europeia - As "preciosidades"

Para aligeirar um pouco o debate, vejamos algumas "preciosidades" da Constituição Europeia. Não é, certamente, o mais importante mas ilustram bem o que é esta Constituição. Só não são divertidas porque é com isto que se quer fazer a UE do futuro.

O preciosismo:
Artigo III – 336° - “O Parlamento Europeu realiza uma sessão anual, reunindo-se por direito próprio na segunda terça-feira de Março.”
Só faltou indicar a hora.

A clareza:
Artigo III – 192° c) - “Sem prejuízo do artigo III-344.o, contribuir para a preparação dos trabalhos do Conselho a que se referem o artigo III-159.o, os n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo III-179.o, os artigos III-180.o, III-183.o e III--184.o, o n.o 6 do artigo III-185.o, o n.o 2 do artigo III-186.o, os n.os 3 e 4 do artigo III-187.o, os artigos III-191.o e III-196.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-198.o, o artigo III-201.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-202.o, e os artigos III 322.o e III-326.o, e exercer outras funções consultivas e preparatórias que lhe forem confiadas pelo Conselho;”
Confusos ? então tentem perceber em que língua se podem dirigir às Instituições Europeias:
Artigo III – 128° - “As línguas em que qualquer cidadão da União tem o direito, ao abrigo da alínea d) do n.o 2 do artigo I-10.o, de se dirigir às instituições ou órgãos e de obter uma resposta são as enumeradas no n.o 1 do artigo IV-448.o. As instituições e órgãos a que se refere a alínea d) do n.o 2 do artigo I-10.o são os enumerados no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo I-19.o e nos artigos I-30.o, I-31.o e I-32.o, bem como o Provedor de Justiça Europeu.”

Mais papistas do que o papa:
Artigo III-148° - “Os Estados-Membros esforçam-se por proceder à liberalização dos serviços para além do que é exigido por força da lei-quadro europeia [...]

A caldeirada:
Anexo 1 – Lista prevista no Artigo III-226° (embora no Art. 226° não se fale de lista nenhuma) “Tripas, bexigas e buchos de animais, inteiros ou em bocados, com excepção do peixe” ; "Banha e outra gorduras de porco"
Será normal que uma Constituição mencione "banha", mesmo que seja num anexo ?

Alguns são mais de leste que os outros:
Artigo III-167° c) “[São compatíveis com o mercado interno] Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão [...]
A Polónia, a Hungria, a Lituânia, etc, devem estar a roer-se de inveja por não terem sido divididas.

Um Estado dentro do Estado:
Protocolo 7 - Relativo aos privilégios e imunidade da União Europeia
Artigo 1° - “As instalações e os edifícios da União são invioláveis. Não podem ser objecto de busca, requisição, confisco ou expropriação. Os bens e haveres da União não podem ser objecto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal de Justiça.”
A UE atribui-se imunidade total. Se um funcionário da UE cometer um crime e um Juiz nacional quiser procurar provas num escritório da Comissão, não pode. Tem que pedir ao Tribunal de Justiça. 5 anos depois, talvez tenha a resposta.

A exclusão:
Artigo II – 85° - “Direitos das pessoas idosas
A União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural.”
Embora falte definir a partir de que idade se é considerado idoso, deve depreender-se os que não são idosos não têm direito a uma existência condigna e independente nem à participação na vida social e cultural ?

A opção de vida:
Artigo II – 69° - “Direito de contrair casamento e de constituir família
O direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.”
O direito ao divórcio deixa de existir ?

A honestidade:
Artigo III – 347°
Nesta artigo apela-se à “honestidade e discrição” dos Comissários Europeus na aceitação de cargos ou benefícios no final dos seus mandatos. A seguir diz-se que "o Tribunal pode" mas perante noções tão precisas como honestidade e discrição será que o Tribunal intervirá alguma vez ?

O equilíbrio de poderes:
Artigo III – 356° - “[...] Salvo disposição em contrário do Estatuto, são aplicáveis ao Tribunal Geral as disposições da Constituição relativas ao Tribunal de Justiça.”
A Constituição aplica-se ao Tribunal de Justiça se este estiver de acordo.

O mercado acima de tudo:
Artigo III – 131° - “Os Estados-Membros procedem a consultas recíprocas, tendo em vista estabelecer de comum acordo as disposições necessárias para evitar que o funcionamento do mercado interno seja afectado pelas medidas que qualquer Estado-Membro possa ser levado a tomar em caso de graves perturbações internas que afectem a ordem pública, em caso de guerra ou de tensão internacional grave que constitua ameaça de guerra, ou para fazer face a compromissos assumidos por esse Estado para a manutenção da paz e da segurança internacional.”
Mesmo em caso de guerra o que importa é que o mercado continue a funcionar.

O redundante:
Artigo III- 124°
“2. [...] lei-quadro europeia pode estabelecer os princípios de base das medidas de incentivo da União e definir as medidas de incentivo da União em apoio das acções dos Estados-Membros [...]
Primeiro pensei que era um erro, mas nas outras línguas também está assim.
A transparência:
Artigo 1 - 50° - “3. Qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro tem direito de acesso, nas condições estabelecidas pela Parte III, aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o suporte desses documentos.
A lei europeia estabelece os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ouprivado, regem o exercício do direito de acesso a esses documentos.
4. Cada instituição, órgão ou organismo estabelece, no respectivo regulamento interno, disposições específicas sobre o acesso aos seus documentos, em conformidade com a lei europeia referida no n.o 3”
O ponto 3 dá-nos o direito de aceder aos documentos da UE. O ponto 4 praticamente anula-o dizendo que são as Instituições que definem esse acesso.

:: enviado por U18 Team :: 5/27/2005 12:18:00 da tarde :: início ::
1 comentário(s):
  • Em 24.05.2005, publiquei o post "Cabo Verde" que terminou assim "...leiam o post do José Ramos [link] onde até não falta o enquadramento jurídico destas aventuras!".
    Agora vou mais longe: com este novo post do José Ramos, é de enaltecer o trabalho, o estudo e a preocupação em documentar os textos, indo à Constituição Europeia e pondo a nú todas as incongruências, contradições, direitos discricionários, numa constituição complexa para pessoas cultas quanto mais para o povo em geral e particularmente o português. Assim sendo, para quê o referendo? Evidentemente que o meu voto vai ser não a um documento que não conheço nem nunca conhecerei e que só serve fins políticos que nada dizem à generalidade dos cidadãos.
    E o vosso trabalho vem reforçar a minha "intuição".

    De Anonymous Anónimo, em 28/5/05 19:52  
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