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segunda-feira, maio 23, 2005

A História e a memória do passado

A partir do momento em que as testemunhas desaparecem, que outra coisa poderá restar a não ser o discurso histórico, sempre prudente, que banaliza o horror e transforma a memória em História, sujeitando-se a substituir o testemunho por um discurso equívoco: no fim de contas, o sangue seca depressa quando entra na História.
Para Paul Ricoeur, há uma singularidade absoluta das figuras do mal. Não se pode procurar estabelecer uma escala para o desumano porque o desumano está fora da escala. Dito isto, fazer entrar um acontecimento na História não o dispensa do dever de prestar contas, mas a História, como simples narração, não pode executar nem fazer a justiça: só um dever de memória pessoal pode conjugar o esquecimento do intolerável. Como a tragédia grega, que salvaguarda a recordação da desgraça, o dever de memória é tornar inesquecíveis as feridas da humanidade e torná-las presentes, a cada um de nós, como recordação realmente sentida.
No entanto, para Ricoeur, se há riscos no frenesim da comemoração histórica, há-os igualmente na memória e nos seus abusos: As sociedades sofrem de um excesso de lembrança, cujos sintomas são visíveis: a impossibilidade de conseguirem a paz em muitas regiões do mundo, em terras devoradas e submersas pela memória. Os povos não conseguem perdoar. Há algo de implacável nas suas feridas. Um excesso de memória que acaba por se aparentar a uma forma de esquecimento.
É o que acontece quando os Homens sentem o dever de se voltarem demasiado para o passado, ao ponto de não conseguirem manter-se vigilantes sobre o seu presente. Por isso, o grande Arrependimento que hoje mobiliza todos os actores/autores, directos ou indirectos, de acontecimentos trágicos passados, não impede os dramas humanos e desumanos de se reproduzirem.

:: enviado por JAM :: 5/23/2005 11:10:00 da tarde :: início ::
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