quarta-feira, março 29, 2006
Contrato Primeiro Engano
Os patrões europeus têm um sonho: ganhar tanto como o que julgam que ganham os patrões americanos e que os seus empregados tenham salários ao nível dos trabalhadores chineses.
Este sonho é alimentado pelos diversos governantes europeus que não estão verdadeiramente interessados em resolver o problema do desemprego. Estão interessados, sim, em resolver o problema dos números do desemprego. O que não é exactamente o mesmo.
O que se está a passar em França com o CPE é apenas uma consequência destas duas atitudes.
A crer na maioria dos comentadores e da imprensa, a juventude francesa é constituída por uma cambada de ingratos que querem um emprego garantido para toda a vida, trabalhando o menos possível, ganhando o máximo e que ainda não perceberam que a globalização implica precariedade e baixos salários. Começo a pensar que Moisés se esqueceu de nos transmitir um 11° mandamento que ditaria qualquer coisa do género “Aceita as leis do mercado. Não te revoltes, não te indignes, sê flexível”. Como se, já que quase não partilhamos a religiosidade católica dos nossos avós, tivéssemos resolvido substituí-la pela religião do mercado liberal em que, tal como um destino divino, o futuro tenha que passar por aceitarmos trabalhar sem direitos, sem horários e mal pagos.
O CPE francês (e os equivalentes noutros países) é mais uma tentativa de nos levar nesta direcção. Alguém que possa ser despedido a qualquer momento (mesmo com uma pequena indemnização) é alguém que não reivindica, não discute, aceita qualquer horário e quaisquer condições de trabalho. Se ficar doente ou engravidar deixa de ser um problema para a empresa. Se pedir um aumento haverá sempre alguém disposto a substitui-lo por menos dinheiro. Hoje são os jovens, amanhã seremos todos. Porque os números não enganam. Vão-nos dizer que se fizeram não sei quantos mil contratos em seis meses esquecendo, evidentemente, de nos dizer quantos foram rescindidos. E se não gostarmos hão-de dizer que não há alternativa e que acabaremos por aceitar trabalhar por ainda menos dinheiro que os chineses. Fantástico não é? Fantástico se não fosse estúpido, mesmo de um ponto de vista económico: pessoas que têm um trabalho precário não podem consumir (ou consomem correndo enormes riscos de insolvência). Não havendo consumidores, não há mercado. Liberal ou outro. Pessoas mal pagas e a prazo não se implicam numa empresa. Trabalhadores que não se implicam, deixam as empresas na mão de meia dúzia de “sumidades” que funcionarão na base do medo e da chantagem (o que é sempre uma excelente motivação). Empresas que funcionem assim não inovam, não têm ideias, atrofiam e desaparecem.
Não aprecio especialmente a França. Embora tenha uma base cultural francófona, conheça relativamente bem o país e domine a língua, irrita-me profundamente a mania francesa de pretender ser o farol ideológico do Mundo. Assim como me irrita a maneira como passam da maior arrogância à vitimização mais depressa do que uma finta do Zidane. Não gosto da “nouvelle cuisine”, do “nouveau cinema” nem da “chanson française”. Não gosto, em geral, de tudo o que seja “nouveau”. Porque o que é bom não é original e o que é original não é bom. Quando estou Paris, gosto da cidade, dos monumentos, das avenidas, do Sena mas pergunto-me muitas vezes se o Mundo não seria um lugar melhor se não houvesse parisienses.
Dito isto, é a segunda vez em pouco tempo que agradeço que a França exista. Uma foi o ano passado por ocasião do referendo sobre a Constituição Europeia, a outra foi nestes últimos dias. É certo que a maneira de protestar – na rua com violência à mistura, com greves dos transportes e da função publica e com sindicatos de braço dado com estudantes – tem um certo ar “démodé” mas quando nos atiram com leis que parecem mais apropriadas aos tempos áureos da Revolução Industrial, o que é que se pode esperar se não que as pessoas reajam com os mesmos métodos que se utilizavam na altura?
Este sonho é alimentado pelos diversos governantes europeus que não estão verdadeiramente interessados em resolver o problema do desemprego. Estão interessados, sim, em resolver o problema dos números do desemprego. O que não é exactamente o mesmo.
O que se está a passar em França com o CPE é apenas uma consequência destas duas atitudes.
A crer na maioria dos comentadores e da imprensa, a juventude francesa é constituída por uma cambada de ingratos que querem um emprego garantido para toda a vida, trabalhando o menos possível, ganhando o máximo e que ainda não perceberam que a globalização implica precariedade e baixos salários. Começo a pensar que Moisés se esqueceu de nos transmitir um 11° mandamento que ditaria qualquer coisa do género “Aceita as leis do mercado. Não te revoltes, não te indignes, sê flexível”. Como se, já que quase não partilhamos a religiosidade católica dos nossos avós, tivéssemos resolvido substituí-la pela religião do mercado liberal em que, tal como um destino divino, o futuro tenha que passar por aceitarmos trabalhar sem direitos, sem horários e mal pagos.
O CPE francês (e os equivalentes noutros países) é mais uma tentativa de nos levar nesta direcção. Alguém que possa ser despedido a qualquer momento (mesmo com uma pequena indemnização) é alguém que não reivindica, não discute, aceita qualquer horário e quaisquer condições de trabalho. Se ficar doente ou engravidar deixa de ser um problema para a empresa. Se pedir um aumento haverá sempre alguém disposto a substitui-lo por menos dinheiro. Hoje são os jovens, amanhã seremos todos. Porque os números não enganam. Vão-nos dizer que se fizeram não sei quantos mil contratos em seis meses esquecendo, evidentemente, de nos dizer quantos foram rescindidos. E se não gostarmos hão-de dizer que não há alternativa e que acabaremos por aceitar trabalhar por ainda menos dinheiro que os chineses. Fantástico não é? Fantástico se não fosse estúpido, mesmo de um ponto de vista económico: pessoas que têm um trabalho precário não podem consumir (ou consomem correndo enormes riscos de insolvência). Não havendo consumidores, não há mercado. Liberal ou outro. Pessoas mal pagas e a prazo não se implicam numa empresa. Trabalhadores que não se implicam, deixam as empresas na mão de meia dúzia de “sumidades” que funcionarão na base do medo e da chantagem (o que é sempre uma excelente motivação). Empresas que funcionem assim não inovam, não têm ideias, atrofiam e desaparecem.
Não aprecio especialmente a França. Embora tenha uma base cultural francófona, conheça relativamente bem o país e domine a língua, irrita-me profundamente a mania francesa de pretender ser o farol ideológico do Mundo. Assim como me irrita a maneira como passam da maior arrogância à vitimização mais depressa do que uma finta do Zidane. Não gosto da “nouvelle cuisine”, do “nouveau cinema” nem da “chanson française”. Não gosto, em geral, de tudo o que seja “nouveau”. Porque o que é bom não é original e o que é original não é bom. Quando estou Paris, gosto da cidade, dos monumentos, das avenidas, do Sena mas pergunto-me muitas vezes se o Mundo não seria um lugar melhor se não houvesse parisienses.
Dito isto, é a segunda vez em pouco tempo que agradeço que a França exista. Uma foi o ano passado por ocasião do referendo sobre a Constituição Europeia, a outra foi nestes últimos dias. É certo que a maneira de protestar – na rua com violência à mistura, com greves dos transportes e da função publica e com sindicatos de braço dado com estudantes – tem um certo ar “démodé” mas quando nos atiram com leis que parecem mais apropriadas aos tempos áureos da Revolução Industrial, o que é que se pode esperar se não que as pessoas reajam com os mesmos métodos que se utilizavam na altura?