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terça-feira, maio 29, 2007

Sete razões para fazer greve

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3. A perda de direitos na função pública. A estratégia de concentrar o fogo sobre os trabalhadores do Estado é inteligente. Criar um bode expiatório, isola-lo socialmente e começa por aí o combate político e ideológico. A extrema-direita faz isso com os imigrantes, a direita conservadora com os miseráveis que vivem “à custa dos subsídios” e os liberais com os funcionários do Estado.

É evidente que se o nosso Estado é irracional no uso dos seus recursos financeiros, também o é no uso dos seus recursos humanos. Há situação disparatadas em quase todos os serviços públicos. Mas devemos ser claros: num país em que se recebe mal, o “emprego para a vida” foi a forma do Estado compensar a fragilidade do tecido económico do país. Se à perda de direitos dos funcionários do Estado não corresponde um aumento de direitos dos funcionários do privado, não estamos a equilibrar, estamos apenas a baixar a fasquia. Sobretudo quando sabemos que em países pobres o sector público funciona como padrão para o resto do mercado de trabalho (vejam-se os aumentos salariais).

Infelizmente, os sindicatos do sector do Estado não têm sabido falar com o resto dos trabalhadores. Numa lógica corporativa, abandonaram o discurso político capaz de ganhar a solidariedade dos restantes trabalhadores.

4. A reforma da segurança social é um remendo e não resolve a o problema da insustentabilidade do sistema diminuindo ainda mais as já paupérrimas reformas em Portugal. É na receita e na redistribuição das contribuições que o problema pode ser resolvido.

A formula encontrada cria uma injustiça indefensável: o trabalhador que não queira prolongar o tempo de trabalho (tendo em conta a indexação da idade de reforma à esperança média de vida) tem duas possibilidades: ou desconta mais ou recebe menos. Como é evidente, para os trabalhadores com menores recursos estas duas possibilidades são impossibilidades. Ou seja, os trabalhadores que ganham menos e que, em muitos casos, têm trabalhos mais violentos, trabalharão até mais tarde do que os mais privilegiados. Inaceitável.

5. A redução do poder de compra dos portuguesas é uma marca deste governo. A inflação foi, em 2006, de 3,1%. 63% superior à média europeia (1,9%). A electricidade é 24% mais cara do que a média europeia, o gás doméstico 38% e gasolina aumentou de 20% a 34%, muito mais do que na UE. As despesas em saúde, transportes e habitação tiveram também aumentos muito superiores ao habitual. Dois milhões de portugueses tiveram aumentos inferiores ao da inflação e estamos com um poder de compra 29% abaixo da média europeia (contando com os 25 países). O custo médio do trabalho é 49,5% inferior à média da UE.

À sensível e quase insignificante retoma económica não corresponde nem criação de emprego nem, para quem trabalha, um aumento da qualidade de vida. Pelo contrário. O aumento da emigração e a inversão do saldo migratório é a mais clara prova do falhanço deste governo em todas as áreas que para si deviam ser prioritárias.

6. A diminuição, em quantidade e em qualidade, dos serviços públicos disponibilizados aos cidadãos, em que a saúde, o serviço mais básico de qualquer sociedade que se pretenda socialmente democrática, é o melhor exemplo, parece ser um cavalo de batalha de José Sócrates.

7. Será o assunto da Presidência portuguesa da União Europeia e dominará os próximos dois anos da política de emprego: a flexigurança.

Trata-se da importação de um conceito escandinavo, mas é uma contrafacção. Na realidade, o modelo escandinavo tem uma premissa: ao aumento da flexibilidade do mercado de trabalho corresponde a qualificação (que dá maior autonomia ao trabalhador) e o aumento da protecção do Estado (que garante apoio social e económico ao desempregado em transição, formação profissional e recolocação). Mais: corresponde a uma imposição de regras às empresas. Nem ela é comportável para os magros cofres públicos portugueses, nem ela é adaptável ao mercado português, nem ela tem qualquer correspondência com a realidade política e social nacional, nem é nesse sentido que têm ido todas as reformas que este governo tem feito. Mais valia que dissesse, como ouvi da boca do presidente da CIP, ao que vem: o que se quer não é flexigurança nenhuma, é mesmo e apenas flexibilidade sem qualquer medida de segurança.

O governo promete com o uso desta palavra mágica que à flexibilização do mercado de trabalho corresponderá um aumento das prestações sociais. Só acredita quem passe o dia no largo do Rato. É isto que mais irrita: Sócrates propõe na realidade o mesmo que qualquer neo-liberal mas sempre com uma farpela muito modernaça. O que Sócrates nos propõe é a desregulação do mercado de trabalho sem qualquer garantia. Daí resultaria um desastre social.

Feito o balanço destes dois anos, o país está pior e nada de fundamental distingue José Sócrates de Durão Barroso. A prioridade do combate ao déficit (importante, mas inútil se esmagar tudo o resto) é a única linha política deste governo. Aliás, a haver alguma distinção (sobretudo se acrescentarmos as manobras para reduzir a liberdade de imprensa), ela será para pior. Pelo menos do ponto de vista de qualquer pessoa que se considere de esquerda ou que tenha as preocupações sociais como o centro do seu pensamento político. Talvez Sócrates vença apenas numa coisa: conseguido o que o PSD nunca conseguiria - queimar a oposição à sua esquerda - anulou igualmente a oposição à sua direita. Assustador para um país mergulhado numa grave crise social. A greve geral é a forma mais eficaz de travar esta vertigem "socialista" (com muitíssimas aspas).

Nada disto retira as críticas que fiz ao método de marcação e à estratégia e táctica definidas para esta greve geral. as lutas têm o seu modo e o seu tempo. Falhar nelas é piorar o que já está péssimo. As boas razões para esta greve são as que mereceriam os melhores procedimentos. Esperemos que as agendas partidárias não funcionem contra os objectivos justos desta greve. Esperemos que com tantas boas razões para ser punido, José Sócrates não saia dela reforçado. Se assim for, alguém terá de explicar porquê. Se assim não for, estão de parabéns e serei o primeiro, com genuína alegria, a rejubilar. Esperemos portanto todos que eu me engane.

PS: Os serviços mínimos definidos são uma violação sem precedentes do direito à greve. Se a definição de serviços mínimos é que todos os serviços regulares de uma empresa funcionam, a greve passa a ser irrelevante. Quem quer por via administrativa inviabilizar greves é bom que seja claro e diga a todos que defende a restrição deste direito constitucional. Não deixa de ser curioso que o governo que de forma mais clara desrespeita esta conquista da democracia seja um governo do PS. Mais um elemento de reflexão para a base eleitoral socialista".

Daniel Oliveira, Arrastão

:: enviado por JAM :: 5/29/2007 06:45:00 da tarde :: início ::
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