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quarta-feira, maio 16, 2007

O bode expiatório

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Com início em 1990, o Banco Mundial encabeçou a exigência para que a União Soviética impusesse imediatamente aquilo a que chamava uma “reforma radical”. Quando Mikhail Gorbachev se recusou a seguir o plano, Ieltsin entrou em cena e não deixou que nada nem ninguém — nem mesmo os políticos russos eleitos pelo povo — se entrepusesse no caminho desse programa redigido por Washington. Depois de ordenar aos tanques do exército que abrissem fogo contra os manifestantes, em Outubro de 1993, matando centenas e deixando o edifício do Parlamento enegrecido pelas chamas, o cenário foi montado para privatizar os mais preciosos bens do Estado e entregá-los aos chamados oligarcas. E claro... o Banco Mundial estava lá. No frenesi legislativo anti-democrático que se seguiu ao golpe de Ieltsin, Charles Blitzer, economista-chefe do Banco Mundial para a Rússia, disse ao Wall Street Journal: “Nunca me diverti tanto em toda a minha vida”.

Quando Ieltsin deixou o posto, a sua família tinha-se tornado inexplicavelmente rica, enquanto vários dos seus subalternos foram acusados de escândalos de subornos. Esses incidentes foram divulgados no Occidente, como sempre são, como desafortunados adornos locais daquilo que não era mais do que um projecto de modernização económica muito ético. De facto, a corrupção estava incrustada na própria ideia da terapia de choque. A vertiginosa velocidade da mudança era crucial para evitar a rejeição generalizada das reformas, mas isso também implicava que, por definição, não podia haver qualquer controlo. Além disso, os subornos aos funcionários locais eram um incentivo indispensável para que os “apparatchiks” da Rússia pudessem criar a completa abertura do mercado exigida por Washington. A conclusão é que afinal há boas razões para que a corrupção nunca seja a grande prioridade para o Banco Mundial e o FMI: os seus funcionários entendem que quando designam políticos para que levem a cabo uma agenda económica que se sabe lhes granjeará furiosos inimigos em casa, é normal que haja alguma recompensa nas contas bancárias daqueles políticos no exterior.

A Rússia está longe de ser uma excepção. De Augusto Pinochet, que acumulou mais de 125 contas bancárias enquanto construía o primeiro Estado neoliberal, a Carlos Menem, que conduzia um Ferrari Testarossa vermelho enquanto procedia à liquidação do país, passando pelos biliões de dólares “desaparecidos” no Iraque, existe em cada país uma classe de políticos ambiciosos e sacanas, dispostos a actuar como sub-contratantes do Ocidente. Cobram honorários e esses honorários chamam-se corrupção — o silencioso mas omnipresente companheiro na cruzada para privatizar o mundo em vias de desenvolvimento.

As três principais instituições no centro dessa cruzada estão em crise. Não por causa das suas pequenas hipocrisias, mas por causa das grandes. A OMC não vai conseguir endireitar-se. O FMI caminha para a bancarrota, movida pela Venezuela e pela China. E agora o Banco Mundial está a ir ao fundo.

O Financial Times diz que agora quando os administradores do Banco Mundial formulam os seus conselhos, “toda a gente se ri deles”. Talvez devêssemos todos rir do Banco Mundial. O que definitivamente não devemos é participar nesse esforço para limpar a ruinosa história do Banco, repetindo a absurda narrativa de que a reputação de uma organização tão louvável que luta contra a pobreza foi manchada por um único homem. É muito compreensível que o Banco queira atirar Wolfowitz pela borda fora. Mas eu digo: deixem o navio afundar-se juntamente com o comandante.

Naomi Klein 2007, Distributed by The New York Times Syndicate

:: enviado por JAM :: 5/16/2007 12:13:00 da manhã :: início ::
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