quinta-feira, agosto 24, 2006
Tropas para o Líbano, para quê?
Perante a situação gerada no Líbano pelo conflito, é evidente que o país vai ter pela frente imensas dificuldades, entre as quais o enorme desafio que representa o desarmamento do Hezbollah. Sobretudo, o desafio que representa ter que fazê-lo sem empurrar o país para uma nova guerra civil.
A curto prazo, o desarmamento do Hezbollah não pode fazer-se sem o seu acordo político. E não é previsível que isso venha a acontecer, sobretudo depois das novas condições impostas pela ministra dos Negócios Estrangeiros israelita, à margem da resolução 1701, exigindo, não o desarmamento do Hezbollah, mas pura e simplesmente o seu desmantelamento.
Ora, se o desarmamento se fizer pela força, primeiro os resultados não são garantidos, pois nenhum exército, seja ele libanês ou internacional, terá mais força que o poderoso exército israelita, que compreendeu bem que uma ofensiva terrestre sobre o Líbano lhe custaria extremamente caro em termos de vidas humanas. Depois, é sabido que se o exército libanês usar a força contra uma parte da população libanesa, os riscos de mergulhar o país numa guerra civil são enormes. A única coisa que se espera do exército libanês é que evite a guerra civil e não que a provoque.
Ao mesmo tempo que exército libanês terá de mostrar que é capaz de defender a mãe pátria aos olhos de todas as suas comunidades, o Estado libanês, cujas finanças não estão nada famosas, vai ter que fazer uso de muita habilidade para provar a todas as populações atingidas pelo conflito que existe uma alternativa ao Hezbollah. Isso implica a criação de serviços sociais do Estado, que entrariam em concorrência com os do Hezbollah. Tudo isso exige muito tempo. Para desarmar o Hezbollah é preciso primeiro provar que o Estado existe. Para isso, é preciso vender às populações do Sul do Líbano a noção de Estado de direito, de Estado justiça, de Estado protector.
Aos olhos dessas populações, o Estado abandonou-as desde os finais dos anos 60, desde os acordos do Cairo e sobretudo desde a ocupação israelita do Sul do Líbano. O Hezbollah não é um Estado dentro do Estado libanês. O Hezbollah substituiu o Estado libanês, porque o Estado libanês deixou de existir. Por isso, não se pode pedir ao Hezbollah que se desarme, sem primeiro responder às expectativas das populações abandonadas pelo Estado há tantos anos.
Na ausência de um acordo político para conseguir o desarmamento do Hezbollah, é necessário adoptar uma política que, antes de mais, diminua os riscos de secessão e da guerra que se lhe seguiria e, em segundo lugar, construir uma política cujo objectivo seja, a médio ou a longo prazo, o reforço do Estado libanês, para depois obter a entrega das armas de uma maneira pacífica.
Ou seja, o desarmamento do Hezbollah não se conseguirá, nem com os bombardeamentos israelitas, nem com o envio de tropas para o Sul do Líbano, mas apenas com a construção do Estado libanês.