BRITEIROS2: fevereiro 2006 <$BlogRSDUrl$>








sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Iniciar / Programas / Bill Gates

Em pleno renascimento do Plano Tecnológico, o País foi esta semana honrado com a visita do “self-made man”, genial, riquíssimo, generoso e visionário William Gates III, mais conhecido por Bill Gates e por ser dono da Microsoft. Desembarcou em Lisboa para dar uma aula ao Governo, a deputados, a autarcas e a todos os que têm mais de 100 caracteres no cartão de visita. Aproveitando a presença nas proximidades, Sampaio fez o que costuma fazer com quem passa perto do Palácio de Belém: ofereceu-lhe uma faixa colorida e um diploma com uma condecoração de que não fixei o nome.
Por momentos, também fiquei estarrecido: O “Papa” da informática veio ao meu País abençoar o meu Governo, formar milhares de desempregados e dar um sermão sobre a fome e a doença do mundo. É muito. E dito assim, de repente, esmaga qualquer alma, por muito descrente que seja. Como não tenho grande jeito para missas e conheço outra versão da história, recompus-me e continuei descrente.
Lembrei-me que trabalho em informática e que o Bill não goza, entre os meus colegas, exactamente da mesma reputação que tem entre os média e no público em geral (embora admita que há muitos profissionais que o adoram. Sobretudo aqueles que ganham a vida a reparar e a tentar fazer funcionar os seus programas). Esta espécie de antipatia pelo Sr. Gates será, certamente, motivada pela inveja. Mas não só. Embora saiba que mesmo que me esfalfe a trabalhar até aos 80 anos e que ganhe o Jackpot do Euromilhões 3 vezes, nunca conseguirei acumular os 47 mil milhões de dólares do meu colega (por assim dizer) Bill, a antipatia também tem motivações profissionais e alguma incredulidade por afinal-qualquer-chico-esperto-pode-conquistar-o-mundo funcionar.

O nosso “self-made man” William Gates III acordou para o mundo com um milhão de dólares na conta bancária, doados pelo avô banqueiro. Tendo nascido numa família “bem”, pôde frequentar bons colégios e uma das Universidades mais caras dos EUA. Este pequeno pormenor, que pode parecer mesquinho, seria depois importante para o jovem Bill quando vendeu à IBM um programa que ainda não era dele (DOS) e pelo qual pagou quase nada. Nada melhor que um bom currículo escolar para dar credibilidade e de um empurrão familiar para abrir as portas da multinacional. O resto é história: inspirado largamente (para não dizer pior) no trabalho do laboratório da Xerox em Palo Alto (janelas, rato, folha de cálculo) e contratados os melhores técnicos da Xerox, nasceu o Windows. A seguir foi só virar as costas à IBM, (que, na altura, lhe chamou traição porque não alcançaram a visão da coisa) espetar o Windows nos clones de Taiwan e, quando demos por isso, estava em todos os PCs do mundo e nós sem maneira de nos livrar-mos dele.
Até aqui nada de especial. Há muita gente por aí a meter cunhas para vender coisas que não tem ou a copiar o trabalho dos outros e traições, no mundo dos negócios, há mais do que peregrinos em Meca. Mas foi aqui que Bill nos revelou toda a sua genialidade: inventou a noção de versão-paga-de-software-para-corrigir-defeitos-do-anterior. Para que a explicação não seja enfadonha, não pensem no Windows e imaginem um objecto útil do quotidiano: um carro. Imaginem que, para que o carro funcione, necessitam de um programa que é vendido apenas por uma empresa. Mais, esse programa precisa de correcções de três em três meses e tem uma nova versão de dois em dois anos. Cada vez que há uma nova versão, a empresa diz que a anterior não prestava e que a nova é muito melhor, embora o condutor não veja diferenças óbvias. Quando se é obrigado a comprar a nova versão, damo-nos conta de que o carro não a suporta e que é necessário mudar também de carro. E o ciclo continua indefinidamente. Inaceitável? com carros sim. Com a Microsoft não.
Resultado? o pecúlio inicial multiplicado por 47000. Um parênteses só para dizer que, pensando bem, até que não é assim um feito tão extraordinário. Sem querer parecer presumido, até acho que fiz um pouco melhor: nasci com 100 escudos na conta do banco e já consegui ganhar mais que 4700 contos. Fechar parênteses.
Pelo caminho ficam ainda uma arrogância empresarial inabalável e diversos processos (perdidos) por praticas comerciais ilegais e abuso de posição dominante no mercado. Convenhamos que não é algo de que um bom pai de família se possa orgulhar.
Entretanto, Bill cansou-se da Microsoft e decidiu dedicar a sua vida a ajudar os pobres e a dar lições ao mundo.
Parece-me bem. Quem conseguiu tanto dinheiro à custa das empresas e dos particulares que não têm outro remédio se não comprar os seus produtos, pode muito bem distribuí-lo um por quem precisa. Devemos apenas ter algum cuidado com os números. Quando Bill anuncia que deu 200 milhões para ajudar uma boa causa qualquer, é, mais ou menos, o mesmo que, alguém que tenha 1000 euros, dizer que vai dar 5. Não parece assim tanto, pois não?
Já quanto ao novo papel de guru da informática que Bill resolveu assumir (ou que lhe deram, tanto faz) já tenho alguns problemas. É que, se tivéssemos acreditado nas visões de Bill Gates, o TCP/IP nunca seria o protocolo da Internet, o correio electrónico nunca existiria, o telefone IP seria uma miragem, os leitores de MP3 seriam um sonho e a própria Internet nunca teria nascido. Nada mal para um visionário.
A Microsoft passou sempre ao lado de todas as grandes inovações informáticas dos últimos 20 anos. Soube sim, e bem, aproveitar as vagas e ou comprando empresas (hotmail, por exemplo) ou impondo as suas soluções (Internet Explorer, outro exemplo) manter uma posição dominante no mercado.

Como já disse, trabalho em informática e, pessoalmente, não preciso da Microsoft para nada. Tenho alternativas mais baratas e melhores para todos os produtos da Microsoft. Porém, como toda a gente, não os posso evitar: Comprei um PC para casa com o qual fui obrigado a pagar também por um produto da Microsoft (não é legal mas tentem comprar um PC sem o Windows). Estou numa empresa invadida pelos PCs Windows e, embora não seja a minha área, tenho que lidar todos os dias com a lentidão, o quebra-cabeças de segurança e as perdas de dados que os produtos da Microsoft implicam. Mais, sou obrigado a manter um orçamento para programas que incluem funcionalidades que ninguém utiliza e a que a Microsoft chama Office, para servidores que se multiplicam como cogumelos porque as aplicações não conseguem coabitar, para uma rede de dados sobredimensionada porque a Microsoft nunca acreditou em redes de dados e é completamente ineficaz a transmiti-los e para uma política de licenças de utilização que ninguém compreende (só quem nunca negociou com a Microsoft pode pensar que Bill Gates é generoso).
Cada nova versão do Windows implica um orçamento que faz com que a direcção da empresa me olhe de soslaio durante 15 dias. E 3 meses de trabalho. Para os servidores Unix tenho versões a preços módicos ou mesmo gratuitas e a mudança de versão leva um ou dois dias.
O suporte técnico da Microsoft é uma piada de mau gosto. Quando quis transferir a minha licença do Windows XP para outro PC - o que necessita um contacto telefónico com a Microsoft para activar a licença - queriam que desinstalasse primeiro o PC original e para isso havia que formatar o disco (!?). Ao fim de duas horas ao telefone consegui, por cansaço, que me activassem a licença. O suporte profissional é ainda mais patético.
Alternativas? claro que as há. Só um exemplo: o browser da Microsoft. Existe um outro browser (Firefox) que também é gratuito, corre em diversos sistemas e que tem, no mínimo, 3 anos de avanço em relação ao Explorer. Ninguém o conhece. Tem, talvez, 10% dos utilizadores.

Dito isto, não penso que Bill Gates seja um personagem sinistro. É um miúdo rico que quis ser ainda mais rico. Percebeu que o que conta nesta vida não é a ética mas os números da conta bancária e teve a esperteza necessária para ser o melhor a juntar dólares. Não fez nada de ilegal e tem todo o direito de necessitar de um computador especial para lidar com o seu IRS. Tenho é sérias dúvidas de que isto justifique que governos em peso o escutem. Aliás, creio que o próprio Bill ainda deve estar a pensar como é que o levam a sério. E a rir-se.
Sabia que os americanos têm uma admiração bacoca por aqueles que conseguem acumular muito dinheiro (seja de que maneira for). Pensava que na Europa era diferente. Enganei-me.

:: enviado por U18 Team :: 2/03/2006 10:02:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::