BRITEIROS2: dezembro 2005 <$BlogRSDUrl$>








terça-feira, dezembro 27, 2005

O triunfo do Pai Natal

Com o passar dos séculos, foi-nos imposta a ideia de que Jesus tinha nascido no Inverno. A socióloga Martyne Perrot lembra que foi num papiro do século IV que foi feita a mais antiga liturgia do Natal, celebrado então na noite de 5 para 6 de Janeiro. Nessa altura, o Natal cristão coexistia muito bem com o Natal pagão, o do ciclo dos Doze Dias ou ainda da Festa dos Loucos. À força de coabitarem durante tanto tempo, os dois Natais acabaram por misturar os seus códigos genéticos. E, desde então, o Natal tornou-se, em si mesmo, uma religião. Uma religião da festa, o culto da família. Uma festa muito mais recente do que normalmente se pensa.
O Natal, o nosso Natal, é uma invenção do século XIX. Uma bela e grande ideia consagrada na Inglaterra pela rainha Vitória (1819-1901). Uma ideia real que imediatamente seduziu a burguesia britânica e, mais amplamente, a burguesia europeia. Depois de muitas ambiguidades, o Natal assumia-se como Natal: a festa dos avós, dos pais e dos filhos reunidos na roda calorosa das gerações. Uma festa confortável em que a criança, posta no centro do círculo familiar, é admirada, adulada. Uma criança mimada, repleta de presentes: frutos exóticos (tâmaras e laranjas) e brinquedos de madeira.
Era, uma vez mais, um Natal ambíguo, contraditório, entre a humildade do recolhimento familiar e a ostentação do esbanjamento despesista. De facto, o nascimento deste Natal familiar coincidiu com a inauguração dos primeiros centros comerciais, verdadeiros templos do consumo moderno. E o deboche das compras não mais parou de crescer. A tal ponto que o Natal se transforma todos os anos numa verdadeira feira, ansiada para uns e deprimente para os outros, que não têm família ou que não têm meios para participarem nesse deboche geral das compras. Uma feira universal cujo totem é uma grande árvore de Natal e cujo deus de chama Pai Natal, herói patriarcal adorável com a sua barba branca e o seu fato herdado de São Nicolau. Uma figura laica, celebrada com a mesma ternura em todas as latitudes, nos dois hemisférios.
É esse o triunfo do Pai Natal: o facto de ter conquistado todos os corações e ter varrido todas as reticências. É disputado pelos quatro cantos do planeta. Os americanos fazem-nos crer que ele reside no polo Norte; os finlandeses imaginam-se seus compatriotas. Na realidade, ele é de toda a parte e de parte nenhuma, sem pátria, mundial, internacional. Intrincadamente mundialíssimo e globalíssimo!
Claramente, ele abre o caminho ao Ano Novo, esse outro grande sucesso de exportação ocidental, uma festa, também ela, tão globalizada como o próprio Pai Natal.

:: enviado por JAM :: 12/27/2005 09:26:00 da tarde :: 0 comentário(s) início ::

terça-feira, dezembro 13, 2005

Não brinquem com a agricultura

A História económica ensina que as economias se desenvolvem geralmente graças a um conjunto de factores internos, inerentes a cada país, em que o comércio internacional tem apenas um papel marginal. Ora, querem fazer-nos crer que, contrariamente ao que se observa, o comércio agrícola, que não representa mais de 10% das trocas mundiais, seria a chave do nosso desenvolvimento! Dá para acreditar?
A defesa dos pequenos produtores do Sul tem muito pouco a ver com o que se passa actualmente nas negociações da OMC. Segundo as estimativas do Banco Mundial, a eliminação total dos apoios à agricultura no mundo ocasionaria apenas um ganho de 0,5% do lucro mundial dos países em vias de desenvolvimento: um impacto bem modesto.
A Europa tem abordado as negociações com a OMC de uma forma desajeitada. Peter Mandelson, o Comissário europeu, parece ter-se finalmente apercebido disso, mas será que ainda vai a tempo de corrigir o tiro? Ao aceitar negociar em separado a política agrícola – contrariamente ao mandato que impunha uma negociação global incluindo a indústria e os serviços – lançámo-nos numa fuga para a frente desenfreada na qual qualquer concessão da nossa parte vai ser fatalmente unilateral e evidentemente considerada insuficiente pelos outros países.
A proposta europeia – a única verdadeiramente séria na mesa das negociações – consiste numa redução significativa das ajudas internas aos agricultores, na aceitação do princípio do fim das subvenções à exportação e numa forte redução dos direitos aduaneiros sobre os produtos importados. Esta proposta traduzir-se-á automaticamente numa forte baixa do número de agricultores europeus e, neste contexto de ausência de regulação dos mercados, numa aceleração da corrida aos latifúndios, em detrimento das pequenas explorações que fazem hoje a riqueza da nossa malha territorial.
Em troca, o que ganhamos nós? Nada! Nada no que respeita à agricultura e nada no que respeita às ajudas que os outros países outorgam aos seus produtores, de forma mais ou menos directa, e que falseiam a concorrência com os europeus. Em suma, corremos o risco de pôr em causa todos os avanços que foram feitos na Europa em termos de desenvolvimento sustentável da agricultura.
Mas o pior é que, em contrapartida da proposta europeia sobre a agricultura, também não obtivemos até hoje nada, nem para a indústria nem para os serviços. Por isso, tenhamos a coragem de pôr a questão, sem tabus: será que a agricultura deve continuar sob a égide da OMC?
Há vinte anos que a agricultura deu entrada neste ciclo de negociações multilaterais. Vinte anos em que, de concessão em concessão em sentido único, perdemos poder económico sem que o dos países mais pobres tenha progredido. É disso testemunha a regressão da parte africana no comércio mundial.
Tenhamos então a coragem para constatar o fracasso e tiremos as devidas ilações desses vinte anos. A alimentação deverá ser considerada como um bem vital para o indivíduo e não como uma mercadoria cujo provimento pode ser mais ou menos irregular. Existem já vários domínios que, como o petróleo, estão excluídos das negociações na OMC. Será que alimentarmo-nos é menos importante que abastecermo-nos em energia? Com certeza que não. Por isso, faria todo o sentido transferir a regulação dos mercados agrícolas para a égide da Organização para a Alimentação e a Agricultura ( a FAO), que poderia tornar-se a OPEP da alimentação, recuperando assim a sua vocação inicial.
Tirar a agricultura da OMC e dar à FAO a possibilidade de exercer plenamente a sua missão é hoje a melhor solução para que cada país possa dotar-se dos meios para garantir a sua soberania alimentar, em condições económicas e sociais sustentadas por todos.

:: enviado por JAM :: 12/13/2005 09:09:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::