sexta-feira, outubro 22, 2004
As lamentações do comissário Buttiglione
“A carta com a qual Rocco Buttiglione tentou retirar a palavra maldita – « pecado » - sem renegar a sua consciência de católico, foi-lhe imposta pela sequência dos acontecimentos em Bruxelas. Numa primeira fase, a reacção de Silvio Berlusconi e do Partido Popular Europeu tinham-no convencido a manter as suas posições. Mas o azedume da polémica suscitada pela esquerda e a perplexidade dos liberais democratas, impuseram a José Barroso, para evitar a rejeição de toda a comissão, que obtivesse de Buttiglione um gesto de boa vontade, ou uma mudança de pasta, ou uma atenuação da sua condenação da homossexualidade. Logo, o professor de filosofia viu-se obrigado a escrever uma carta de lamentações, repetindo, no entanto, nas suas conversas privadas que não se tratava duma retractação mas, ao contrário, que ele confirmava, no essencial, as suas ideias.”“No entanto,” prossegue o Corriere della Sera, “este esforço de humildade, que deve ter custado imensamente caro a uma diva das ideias como Buttiglione, não teve nenhum resultado. A esquerda, que se quis aproveitar dum sinal de fraqueza, não desistiu, e o papel de Buttiglione no próximo governo europeu continua em suspenso.”
“O sacrifício de Buttiglione não resolveu o problema”, conclui o vespertino milanês, “e nem tão-pouco fez dissipar a dúvida de que a rejeição do professor seja sobretudo devida à sua cultura mal dissimulada, à sua inteligência manifesta, aos seus hábitos de falar com o Papa sem nada fazer para que isso não se saiba. ‘Eu vou citar um filósofo que não é completamente desconhecido : Emmanuel Kant de Königsberg...’ Foi talvez quando ele citou este seu colega, que Buttiglione perdeu todo o apoio dos eurodeputados, a maior parte dos quais – como todos nós – só leu extractos dos livros de Kant no liceu. Em vez de se acalmar, o ‘dottore’ insistiu, respondendo a cada comissário na sua própria língua. Ou melhor, falando em francês, num francês mais rebuscado que o do seu colega, num polaco dos mais puros, e por aí fora. Isso veio-lhe naturalmente (como quando, por ocasião duma reunião do seu partido, tomava notas em alemão). Mas, tudo isso, ninguém lhe perdoou.”
:: enviado por JAM :: 10/22/2004 01:33:00 da tarde :: início ::