BRITEIROS2: outubro 2006 <$BlogRSDUrl$>








sábado, outubro 21, 2006

As SCUT

Nunca me apanharam na estúpida campanha contra a “política do betão” do dr. Cavaco. Se há alguma coisa historicamente indiscutível é que o isolamento mata. Não se trata só, como certa gente de pouco espírito parece supor, da economia (embora se trate também disso), mas, sem hipérbole, de civilização. Não vale a pena um comentário “erudito”. Basta pensar em Portugal. Como nenhum outro factor, a posição periférica de Portugal determinou o atraso e a semibarbárie em que sempre vivemos. Mesmo hoje o essencial não mudou. Se dantes se costumava dizer que a Europa começava nos Pirinéus, começa agora, para nossa desgraça, na fronteira de Espanha. A mais longa ditadura do Ocidente, o mais velho império colonial, a anacrónica extravagância do PREC e o Estado corporativo e parasitário que a democracia produziu deviam ter educado uma geração. Não educaram.

Sem que isto seja uma defesa da irresponsabilidade de Guterres, que nada desculpa, é um erro e uma injustiça arrumar sumariamente as Scut na gaveta da inconsciência, do “disparate” e da “asneira”. As Scut não foram um “disparate” e uma “asneira”. Foram um esforço e um esforço necessário, para ligar o interior ao litoral. Ou, se quiserem, para diminuir a distância crescente entre a civilização do interior e a civilização do litoral. O valor das Scut não se mede em “desenvolvimento”. O que interessa saber é se mudaram o interior e, para bem ou para mal, às vezes para muito mal, mudaram. Quem sugere que o principio do utilizador-pagador se aplique às Scut não percebe com certeza esta evidência primária: faz todo o sentido que toda a gente pague uma política que na prática se destina a transformar todo o país.

Claro que existem incongruências. No Alentejo, por causa do trânsito para Espanha e para o Algarve; e no Algarve por causa dos milhões de turistas que lá caem no Verão. E claro também que o eng.º Sócrates, faltando a uma promessa eleitoral, resolveu abolir as Scut na Costa da Prata, no grande Porto e do Porto a Viana. Mas, felizmente, ficou o resto e o resto é um terço de Portugal, que precisa de mais Scut, não de menos. Como a Ota e o TGV (que, aliás, me custaram a engolir), as Scut não são uma despesa inútil ou facultativa. São a única maneira de Portugal deixar de ser uma tirinha esquálida e apinhada de gente, no fundo da Europa.

Vasco Pulido Valente, Público, 20 de Outubro

:: enviado por JAM :: 10/21/2006 09:48:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::

terça-feira, outubro 17, 2006

No Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

Algumas noções prévias: o capitalismo é a exploração do trabalho colectivo com fins de enriquecimento pessoal, sob o alibi da disponibilização dos meios de produção ― o chamado capital. O liberalismo define as condições necessárias para a aplicação do capitalismo. Trata-se de uma filosofia política que coloca o indivíduo livre no centro da sua problemática. É também uma doutrina económica que, em si mesma, contém duas vertentes: a primeira é a justificação do capitalismo fundada no facto de que a propriedade privada seria um direito natural e que, através da busca do interesse individual, chegaríamos ao bem-estar colectivo. A segunda é que a regulação da sociedade deve ser feita pelo livre jogo dos mecanismos do mercado, sem qualquer intervenção pública.
Ora, é aí que o jogo é falseado. É evidente que é necessário introduzir uma regulação, mas, ao nível internacional, não existe nenhuma estrutura para isso, nem vontade para a ter. Assim, na ausência de uma governância democrática mundial, a famosa máxima da Rothschild Brothers of London vai manter-se ainda por muito tempo: “As raras pessoas que compreenderão o sistema serão de tal modo interessadas pelos seus lucros, ou de tal modo dependentes das suas larguezas, que não haverá nenhuma oposição a temer dessa classe! A grande massa de pessoas mentalmente incapazes de compreenderem os imensos interesses em jogo aguentará o seu peso sem se queixar!”.
A mensagem do Nobel da economia, Edmund Phelps, é que o Estado tem a obrigação de subvencionar os trabalhos mais precários: “Nos tempos que correm, os trabalhadores com baixos salários vivem com muitas dificuldades, por razões tecnicas e por razões imputáveis à concorrência de economias como a chinesa ou indiana. Por isso, é recomendável que os Estados ajudem os trabalhadores com salários mais baixos, para se incrementar a procura de empregos pouco qualificados”. O objectivo é limar as desigualdades salariais e fomentar a integração social no sistema capitalista.
Com o tempo, Phels ― que aprofundou as suas pesquisas mais célebres sobre a interacção entre a inflacção, o desemprego e o crescimento, por um lado, e a taxa natural de desemprego, por outro ― acabou por centrar as suas preocupações no estudo do capitalismo, concluindo que “temos modelos muito bons sobre as economias agrárias, sem inovação, sem criatividade, sem incerteza, mas não temos nenhum bom modelo sobre o capitalismo”.
No capitalismo, o trabalho tem a primazia. A concorrencia é severa. Os mais produtivos e formados são bajulados pelas empresas, enquanto que os menos formados não têm outra alternativa que não seja trabalharem por um salário de miséria. Vivemos numa sociedade pervertida pela bulimia do poder, o lucro das elites e a corrupção. Uma sociedade minada pela ignorância dos povos e pela resignação dos cidadãos.
Sobretudo os trabalhadores mais jovens perguntam-se como é possível melhorar o seu destino se, como lhes dizem, devem aceitar os salários mais baixos e a precariedade que deles resulta. A falta de regulação da sociedade conduz a um cada vez maior empobrecimento nos países industrializados, mesmo quando o crescimento económico se acelera. Se, por um lado, a globalização ajuda a reduzir a pobreza em países como a China ou a India, faz com que, por outro lado, nos países ricos se enfraqueçam as malhas da proteção social, fazendo com que a pobreza não páre de aumentar e de nos aproximar, a passos largos, do rol dos países mais pobres.


:: enviado por JAM :: 10/17/2006 05:47:00 da tarde :: 0 comentário(s) início ::