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sábado, janeiro 14, 2006

Chegou o Salvador?

Andava para escrever sobre a candidatura do Prof. Cavaco há já algum tempo. O problema é que o tema não me inspira particularmente e (eterno ingénuo) julgava que a campanha eleitoral só começava no dia 8 de Janeiro.
A razão imediata deste post vem da declaração de um amigo - que tenho por pessoa inteligente e estimável – de que ia votar em Cavaco porque era o melhor candidato. Este comentário fez com que os meus níveis de estupefacção, sobre esta união nacional (sem ironias) à volta da candidatura do estimado professor, atingissem valores insuportáveis.

Desde que fui obrigado a estudar pelo intragável manual de Finanças Públicas (que, diziam as más línguas, ser a tradução de uma sebenta feita em York por um dos seus professores) que tenho uma opinião formada sobre o senhor. O mínimo que posso dizer é que não é positiva. A partir daí nem os seus tempos de Ministro das Finanças, nem uma noite de fim de ano em casa de amigos comuns, nem os 10 anos de primeiro-ministro, me fizeram mudar de opinião. Pelo que me foi dado a ouvir e a ver nos últimos meses, também não me parece que seja agora que o vou fazer.

Desde que, saído da tranquilidade da sua reforma política, nos anunciou o desejo de ser Presidente da República, passou a pré-campanha a repetir que é o mais indicado. Porquê? Porque sim. Sobre a carpete da vaga de fundo da sociedade civil (suponho que se referia ás sondagens) Cavaco acha que pode tirar o País da depressão colectiva em que este se afunda. Porque é experiente e porque sabe de Economia e de Finanças. Porque se candidata a um cargo político sem ser político e não gosta de partidos. Porque é impoluto e nunca teve nada que ver com decisões que nos levaram onde agora estamos. Porque sabe que os poderes do Presidente são limitados em relação à governação do País mas, mesmo assim, quer governar.
Não dizendo absolutamente nada de concreto, não tendo uma opinião sobre qualquer tema (por mais irrelevante que seja. O cumulo foi atingido numa entrevista “informal” à SIC onde, ao ser-lhe perguntado qual o ultimo livro que tinha lido, recusou-se a responder alegando que, sendo candidato a Presidente, a sua resposta poderia ter muitas repercussões(!?)) e reduzindo o cargo de Presidente a uma espécie de ministro das Finanças sombra, mantém-se, a crer nas sondagens, como o mais que provável futuro Presidente.

Mas fará algum sentido ter Cavaco como Presidente?
De todos os candidatos (sim, todos), Cavaco Silva é o menos indicado para ser Presidente da Republica. Porque é limitado nos seus interesses e porque a alta opinião que tem sobre si próprio o impede de ir mais além do que o horizonte mais próximo. Para Cavaco o mundo resume-se ao modelo económico que adoptou. Na escola de Cavaco uma auto-estrada cria, forçosamente, pólos de desenvolvimento; uma ponte cria empresas de cada lado; privatizações criam emprego; o desemprego são “ajustamentos”. Porque, no seu modelo económico, é mecânico que assim seja.
Quando teve oportunidade de o por em prática, apresenta uma obra que, teimo em considerar, foi uma das maiores oportunidades perdidas que Portugal alguma vez já teve (talvez imediatamente atrás do ouro do Brasil). Na realidade, e ao contrário do que parece ser a unanimidade opinativa, Cavaco será mais um especialista de Finanças que um Economista, que a Economia é muito mais do que défices ou PIBs.
Mas mesmo que o seu modelo financeiro fosse indiscutível, e não o é, não se percebe muito bem como pretende levá-lo à prática num cargo como o de Presidente da República com todas as limitações executivas que lhe são inerentes.
No quadro dos poderes que a Constituição estabelece para o Presidente, este acaba por ser julgado não tanto pelas acções positivas que pode determinar mas mais pelas asneiras que pode, ou não, fazer. Ora, e ao contrário do que julga, Cavaco não será um Presidente de “solidariedade institucional”. Na área económica, sempre que a política do Governo não lhe agradar - e nunca lhe agradará porque não é a sua – dará recados ao Governo. Que terão, obviamente, consequências. De recado em recado, de conflito em conflito, acabaremos num Governo de iniciativa presidencial com Manuela Ferreira Leite como primeiro-ministro e a benção do PSD e PP.
Em tudo o que não é Economia, e não é assim tão pouco como isso, não fazemos a mínima ideia nem do que pensa nem como reagirá. Como se recusa a tomar qualquer posição sobre questões do Mundo ou sociais, será uma incógnita o que fará se nos pedirem tropas em qualquer conflito que por aí anda, se a crise da Justiça não se atenuar, se convocará um referendo sobre o aborto e por aí fora.

Apesar disto tudo, não há uma entrevista com empresário que não acabe com a frase “obviamente, apoio Cavaco Silva”. Porquê? – “Porque é o melhor”. E mais não acrescenta. Não há televisão que não ponha a falar o popular que fez 300Km para abraçar o Professor. Porquê? “Porque é o mais indicado”.
Falando com familiares e amigos, e fazendo a minha sondagem particular, é eleito com um pouco mais de 50% dos votos. Porquê? – Não percebo.
Desde o malfadado D. Sebastião que a Pátria não se consegue libertar desta espera pelo Salvador. Ante a improbabilidade evidente de que o dito ainda esteja vivo (não consta que tenha tentado pular a cerca de Ceuta), cada geração tenta encontrar o seu Salvador. À minha geração calhou Cavaco Silva. Azares da vida.

E no fim Cavaco será eleito. E será eleito não por comparação com os outros candidatos mas porque os portugueses (a maioria em todo o caso, que me perdoem os outros) pensa e é como ele: querem democracia mas não gostam de partidos e acham que a política é uma actividade rasca; não gostam dos que “dizem mal dos outros” confundindo a critica com a maledicência; querem lá saber do papel de Portugal no Mundo ou da Educação se o mais importante é trocar de telemóvel de três em três meses ou de carro todos os anos; se gostam de musica pimba, de revistas pimba, de programas de televisão pimba, de futebol pimba, porque é que não haveriam de gostar de um Presidente pimba? ; se desconfiam da cultura porque não a entendem, porque raio haveriam de querer um Presidente culto?. E, no fundo, sempre é mais fácil colocar todas as expectativas numa pessoa para nos resolver os problemas do que fazermos nós próprios alguma coisa por isso.

Há situações em que compreendo perfeitamente quem é crente. Na verdade só apetece dizer “que Deus nos ajude”.

:: enviado por U18 Team :: 1/14/2006 07:39:00 da tarde :: início ::
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