BRITEIROS2: maio 2005 <$BlogRSDUrl$>








sexta-feira, maio 27, 2005

Constituição Europeia - As "preciosidades"

Para aligeirar um pouco o debate, vejamos algumas "preciosidades" da Constituição Europeia. Não é, certamente, o mais importante mas ilustram bem o que é esta Constituição. Só não são divertidas porque é com isto que se quer fazer a UE do futuro.

O preciosismo:
Artigo III – 336° - “O Parlamento Europeu realiza uma sessão anual, reunindo-se por direito próprio na segunda terça-feira de Março.”
Só faltou indicar a hora.

A clareza:
Artigo III – 192° c) - “Sem prejuízo do artigo III-344.o, contribuir para a preparação dos trabalhos do Conselho a que se referem o artigo III-159.o, os n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo III-179.o, os artigos III-180.o, III-183.o e III--184.o, o n.o 6 do artigo III-185.o, o n.o 2 do artigo III-186.o, os n.os 3 e 4 do artigo III-187.o, os artigos III-191.o e III-196.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-198.o, o artigo III-201.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-202.o, e os artigos III 322.o e III-326.o, e exercer outras funções consultivas e preparatórias que lhe forem confiadas pelo Conselho;”
Confusos ? então tentem perceber em que língua se podem dirigir às Instituições Europeias:
Artigo III – 128° - “As línguas em que qualquer cidadão da União tem o direito, ao abrigo da alínea d) do n.o 2 do artigo I-10.o, de se dirigir às instituições ou órgãos e de obter uma resposta são as enumeradas no n.o 1 do artigo IV-448.o. As instituições e órgãos a que se refere a alínea d) do n.o 2 do artigo I-10.o são os enumerados no segundo parágrafo do n.o 1 do artigo I-19.o e nos artigos I-30.o, I-31.o e I-32.o, bem como o Provedor de Justiça Europeu.”

Mais papistas do que o papa:
Artigo III-148° - “Os Estados-Membros esforçam-se por proceder à liberalização dos serviços para além do que é exigido por força da lei-quadro europeia [...]

A caldeirada:
Anexo 1 – Lista prevista no Artigo III-226° (embora no Art. 226° não se fale de lista nenhuma) “Tripas, bexigas e buchos de animais, inteiros ou em bocados, com excepção do peixe” ; "Banha e outra gorduras de porco"
Será normal que uma Constituição mencione "banha", mesmo que seja num anexo ?

Alguns são mais de leste que os outros:
Artigo III-167° c) “[São compatíveis com o mercado interno] Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afectadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens económicas causadas por esta divisão [...]
A Polónia, a Hungria, a Lituânia, etc, devem estar a roer-se de inveja por não terem sido divididas.

Um Estado dentro do Estado:
Protocolo 7 - Relativo aos privilégios e imunidade da União Europeia
Artigo 1° - “As instalações e os edifícios da União são invioláveis. Não podem ser objecto de busca, requisição, confisco ou expropriação. Os bens e haveres da União não podem ser objecto de qualquer medida coerciva, administrativa ou judicial, sem autorização do Tribunal de Justiça.”
A UE atribui-se imunidade total. Se um funcionário da UE cometer um crime e um Juiz nacional quiser procurar provas num escritório da Comissão, não pode. Tem que pedir ao Tribunal de Justiça. 5 anos depois, talvez tenha a resposta.

A exclusão:
Artigo II – 85° - “Direitos das pessoas idosas
A União reconhece e respeita o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente e à sua participação na vida social e cultural.”
Embora falte definir a partir de que idade se é considerado idoso, deve depreender-se os que não são idosos não têm direito a uma existência condigna e independente nem à participação na vida social e cultural ?

A opção de vida:
Artigo II – 69° - “Direito de contrair casamento e de constituir família
O direito de contrair casamento e o direito de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo exercício.”
O direito ao divórcio deixa de existir ?

A honestidade:
Artigo III – 347°
Nesta artigo apela-se à “honestidade e discrição” dos Comissários Europeus na aceitação de cargos ou benefícios no final dos seus mandatos. A seguir diz-se que "o Tribunal pode" mas perante noções tão precisas como honestidade e discrição será que o Tribunal intervirá alguma vez ?

O equilíbrio de poderes:
Artigo III – 356° - “[...] Salvo disposição em contrário do Estatuto, são aplicáveis ao Tribunal Geral as disposições da Constituição relativas ao Tribunal de Justiça.”
A Constituição aplica-se ao Tribunal de Justiça se este estiver de acordo.

O mercado acima de tudo:
Artigo III – 131° - “Os Estados-Membros procedem a consultas recíprocas, tendo em vista estabelecer de comum acordo as disposições necessárias para evitar que o funcionamento do mercado interno seja afectado pelas medidas que qualquer Estado-Membro possa ser levado a tomar em caso de graves perturbações internas que afectem a ordem pública, em caso de guerra ou de tensão internacional grave que constitua ameaça de guerra, ou para fazer face a compromissos assumidos por esse Estado para a manutenção da paz e da segurança internacional.”
Mesmo em caso de guerra o que importa é que o mercado continue a funcionar.

O redundante:
Artigo III- 124°
“2. [...] lei-quadro europeia pode estabelecer os princípios de base das medidas de incentivo da União e definir as medidas de incentivo da União em apoio das acções dos Estados-Membros [...]
Primeiro pensei que era um erro, mas nas outras línguas também está assim.
A transparência:
Artigo 1 - 50° - “3. Qualquer cidadão da União ou qualquer pessoa singular ou colectiva com residência ou sede social num Estado-Membro tem direito de acesso, nas condições estabelecidas pela Parte III, aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o suporte desses documentos.
A lei europeia estabelece os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ouprivado, regem o exercício do direito de acesso a esses documentos.
4. Cada instituição, órgão ou organismo estabelece, no respectivo regulamento interno, disposições específicas sobre o acesso aos seus documentos, em conformidade com a lei europeia referida no n.o 3”
O ponto 3 dá-nos o direito de aceder aos documentos da UE. O ponto 4 praticamente anula-o dizendo que são as Instituições que definem esse acesso.

:: enviado por U18 Team :: 5/27/2005 12:18:00 da tarde :: 1 comentário(s) início ::

quarta-feira, maio 25, 2005

O pleno emprego

Milton Friedman defendia que o pleno emprego não pode ser alcançado através de meios de regulamentação estatais, que distorcem os mecanismos do mercado para a determinação dos preços, dos salários, dos investimentos e da distribuição do trabalho remunerado. Friedman dizia ainda que qualquer política monetária ou fiscal que tente colocar a taxa de desemprego em níveis aceitáveis só conseguiria elevar a inflação. Em vez disso, os governos deveriam adoptar um plano de emprego baseado no livre mercado, reduzindo a intervenção do Estado burocrático. Só a livre concorrência garantiria um nível elevado e prolongado de emprego.
A ideologia do livre mercado exerceu grande influência nas políticas governamentais a partir dos anos oitenta, inicialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas foi logo absorvida por outros governos. Porém, exceptuando-se algumas “ilhas”, onde o desemprego realmente caiu, as medidas liberais adoptadas não reduziram o desemprego e só contribuíram para aumentar as desigualdades sociais existentes.

Os actuais índices de desemprego questionam a viabilidade das acções liberais. O austríaco André Gorz afirma que vivemos uma era de desemprego em massa e que o desenrolar dos acontecimentos irá alterar a estrutura do trabalho, fazendo com que os trabalhadores se dividam em três categorias: uma aristocracia privilegiada de “trabalhadores com estabilidade”, com emprego permanente, e duas outras categorias, formando uma “não-classe de trabalhadores”, que compreenderá os permanentemente desempregados, condenados à pobreza e à ociosidade, e um número crescente de trabalhadores “temporariamente empregados” em ocupações de baixa especialização, sem nenhuma segurança no emprego e nenhuma identidade de classe definida.

Em conclusão, as medidas liberais aumentam o desemprego e a má distribuição dos rendimentos. A manutenção dessas medidas e a consequente manutenção das desigualdades sociais criará certamente um terreno fértil para os nacionalismos exacerbados, o terrorismo e os conflitos em geral.

:: enviado por JAM :: 5/25/2005 12:06:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::

segunda-feira, maio 23, 2005

A História e a memória do passado

A partir do momento em que as testemunhas desaparecem, que outra coisa poderá restar a não ser o discurso histórico, sempre prudente, que banaliza o horror e transforma a memória em História, sujeitando-se a substituir o testemunho por um discurso equívoco: no fim de contas, o sangue seca depressa quando entra na História.
Para Paul Ricoeur, há uma singularidade absoluta das figuras do mal. Não se pode procurar estabelecer uma escala para o desumano porque o desumano está fora da escala. Dito isto, fazer entrar um acontecimento na História não o dispensa do dever de prestar contas, mas a História, como simples narração, não pode executar nem fazer a justiça: só um dever de memória pessoal pode conjugar o esquecimento do intolerável. Como a tragédia grega, que salvaguarda a recordação da desgraça, o dever de memória é tornar inesquecíveis as feridas da humanidade e torná-las presentes, a cada um de nós, como recordação realmente sentida.
No entanto, para Ricoeur, se há riscos no frenesim da comemoração histórica, há-os igualmente na memória e nos seus abusos: As sociedades sofrem de um excesso de lembrança, cujos sintomas são visíveis: a impossibilidade de conseguirem a paz em muitas regiões do mundo, em terras devoradas e submersas pela memória. Os povos não conseguem perdoar. Há algo de implacável nas suas feridas. Um excesso de memória que acaba por se aparentar a uma forma de esquecimento.
É o que acontece quando os Homens sentem o dever de se voltarem demasiado para o passado, ao ponto de não conseguirem manter-se vigilantes sobre o seu presente. Por isso, o grande Arrependimento que hoje mobiliza todos os actores/autores, directos ou indirectos, de acontecimentos trágicos passados, não impede os dramas humanos e desumanos de se reproduzirem.

:: enviado por JAM :: 5/23/2005 11:10:00 da tarde :: 0 comentário(s) início ::

sexta-feira, maio 20, 2005

Constituição Europeia - A supremacia da lei europeia

Artigo I-6°: “A Constituição e o direito adoptado pelas instituições da União, no exercício das competências que lhe são atribuídas, primam sobre o direito dos Estados-Membros.”

Poucas palavras mas enormes consequências. Este artigo merecia, por si só, um debate profundo e alargado sobre que UE queremos e quais deveriam ser as suas competências. Neste artigo, a Constituição estabelece, de uma forma clara e inequívoca, a primazia da lei europeia sobre as leis e as Constituições dos Estados membros. Em termos legais, a União Europeia passa a ser um Estado - para que não haja dúvidas, o Art.I-8° dota a UE de uma bandeira, um hino, uma moeda, um lema e um dia nacional, ou seja, todos os símbolos de uma Nação. Junta-se ainda um Ministro dos Negócios Estrangeiros (de que trataremos noutro post), só ficando a faltar um exército, embora a ambição também lá esteja.
Pensar-se-á que não é propriamente uma novidade e que o primado da lei europeia sobre as leis nacionais já existe há bastante tempo. Há alguma verdade nesta afirmação mas não exactamente pelas razões que vulgarmente pensamos. Curiosamente, e por muito que procurasse, não encontrei em nenhum dos Tratados que regulam a UE este principio de primazia da lei europeia. Na verdade, trata-se de uma invenção do Tribunal de Justiça que acabou por ser aceite por todos sem qualquer discussão. De resto, se este principio já estivesse consagrado nos Tratados, porque razão haveria que alterar agora a maioria das Constituições dos Estados membros que, obviamente, não consagram a supremacia da lei europeia ?

Mesmo pondo de parte a discussão sobre o alcance do poder legislativo da UE, este principio poderia ser aceitável, no âmbito da supremacia dos Tratados Internacionais sobre as leis nacionais, com duas condições: 1) A UE não tivesse o hábito irritante de se meter em todos os aspectos da vida dos cidadãos europeus, independentemente onde residam e 2) se o Tribunal de Justiça funcionasse como um poder independente.
Ora, nesta Constituição, não temos nem uma coisa nem outra.
Hoje em dia, mais de 60% da legislação que regula a nossa vida já é produzida em Bruxelas. Ao incluir nas competências da UE (I- Titulo III) domínios como política aduaneira, política monetária, ambiente, pescas, desemprego, economia, segurança,
ou seja, quase tudo, a UE acaba por se imiscuir ainda mais em assuntos que só deveriam dizer respeito aos países membros e consegue ir ainda mais longe do que uma Constituição puramente federal.
É evidente que não pretendo afirmar que toda a legislação europeia é desnecessária. Mas digam-me o que pensam destes dois exemplos, extraídos das 5000 páginas de legislação produzidas anualmente em Bruxelas: a) A Suécia proibiu o esqui aquático nos seus lagos a fim de preservar a vida animal. Alegando que esta proibição impedia o comércio livre de esquis no mercado interno, a Comissão ordenou a sua anulação.
b) Os típicos autocarros londrinos já só existem em Inglaterra. Em virtude de o mercado ser escasso, actualmente, apenas uma fábrica os produz. Alegando que falseava a concorrência, a Comissão quis proibir que os concursos públicos para fornecimento de autocarros exigissem os dois andares, eliminando, na prática, os famosos autocarros. A Suécia aceitou, a Inglaterra não (Felizmente que existe uma Inglaterra na UE).
Este tipo de decisões, estúpidas e com um desprezo total pelas tradições e costumes nacionais, tenderá a agravar-se com esta Constituição e qualquer país será obrigado a abandonar as suas tradições, sejam autocarros ou tachos de barro, se a Comissão assim o decidir.

Dir-se-á que existe um Tribunal de Justiça para dirimir os conflitos entre os Estados e a UE em relação às leis europeias. De facto poderia ser assim se o Tribunal fosse um poder independente. Não o é, nem formalmente nem na prática.
Formalmente, o Tribunal de Justiça é definido como uma instituição (I-19°) (sem nunca ser definido como independente, ao contrário do Banco Central) e as instituições devem-se “cooperação leal” (I-19°-2) o que, convenhamos, não é bem uma declaração de um poder independente.
Na prática porque, na intricada forma como as instituições europeias são constituídas, não é necessário ter sido alguma vez juiz para se ser Juiz do Tribunal de Justiça (veja-se o caso de Cunha Rodrigues, o nosso representante no TJ). Na verdade mais de metade dos juizes do TJ nunca foram juizes. Em consequência, o Tribunal tende a funcionar mais como um órgão legislativo e político do que como um verdadeiro Tribunal. Daí uma certa atmosfera em que mais importante do que as palavras, as virgulas e os pontos dos Tratados, é fazer avançar o processo de integração europeia. Como resultado prático, as decisões são, quase sistematicamente, a favor da Comissão.

:: enviado por U18 Team :: 5/20/2005 10:33:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::

sexta-feira, maio 13, 2005

Constituição Europeia - Direitos Fundamentais

Se tivesse que resumir numa só frase os Direitos Fundamentais inscritos na Constituição Europeia, seria simples: Direitos Fundamentais sim, desde que não ponham em causa o funcionamento do mercado.
A Parte II da Constituição é toda dedicada à Carta dos Direitos Fundamentais. Dizem os defensores desta Constituição que, só por esse motivo, a deveríamos aprovar. Manda a honestidade que se diga ser este o primeiro Tratado Europeu em que Direitos Fundamentais são inscritos de uma forma explicita, e não apenas referenciados, de uma forma indirecta, a outros Tratados internacionais. Mas será que nos devemos regozijar assim tanto ?
Comecemos por citar a própria Constituição para ver que não é bem assim. No preâmbulo da Parte II “Carta dos Direitos Fundamentais da União” pode ler-se : “[A União] procura promover um desenvolvimento equilibrado e duradouro e assegura a livre circulação das pessoas, dos serviços, dos bens e dos capitais, bem como a liberdade de estabelecimento.”
Será necessário desenvolver mais algum argumento sobre a importância dos Direitos Humanos Fundamentais nesta Constituição quando é a própria que coloca no mesmo plano pessoas, serviços, mercadorias e capital ?

Penso ser indiscutível que, apesar de tudo, temos vindo assistir a um certo avanço no reconhecimento de Direitos Humanos Fundamentais em qualquer Tratado Internacional. Nesse sentido, seria de esperar que a Constituição Europeia os incluísse todos no seu texto e que, inclusive, fosse um pouco mais longe (ou não pretendesse a UE ser um exemplo para o mundo em termos de direitos humanos).
O problema é que, mesmo procurando bem, não se conseguem encontrar princípios fundamentais comumente aceites (excepto por aqueles que têm uma visão selvagem da vida humana) e até inscritos nalgumas Constituições dos Estados membros. Cito alguns :
- Direito ao trabalho
- Direito a um rendimento mínimo garantido
- Direito a uma reforma que assegure um nível de vida minimamente decente
- Direito à greve ao nível europeu.
- Direito a uma habitação decente
- Direito a serviços públicos de qualidade
- Direito a subsídios de desemprego
- Direito ao divórcio.

Todos estes Direitos ou não são sequer declarados ou, quando o são, é apenas na formulação “A União reconhece e respeita” e sempre de “acordo com as legislações e práticas nacionais”. Ou seja a Constituição não impõe coisa nenhuma, limita-se a reconhecer e respeitar mas se um país não reconhecer alguns Direitos, paciência.
Curiosamente, alguns artigos são formulados de tal maneira que o que parece um Direito acaba por não o ser. O Art. II-75° refere “Todas as pessoas têm direito a trabalhar [..]” o que daria a entender que o Direito ao Trabalho é garantido (que aliás até está na Declaração Universal dos Direitos Humanos – “Toda a pessoa tem direito ao trabalho [...]). Porquê então esta formulação ? - Ter direito a trabalhar não é bem a mesma coisa que ter direito ao trabalho.
O Art. 88° fala do direito á greve mas, de novo, subordinado a legislações nacionais. Quer dizer, quer-se um mercado europeu, empresas europeias, uma Constituição Europeia mas nem pensar em reconhecer o direito à greve ao nível europeu.

Na estrutura labiríntica desta Constituição, há sempre que procurar em diversos artigos o real alcance das grandes declarações de princípios. Um exemplo: o artigo II-93° declara “1. É assegurada a protecção da família nos planos jurídico, económico e social. ;2. A fim de poderem conciliar a vida familiar e a vida profissional, todas as pessoas têm direito a protecção contra o despedimento por motivos ligados à maternidade, bem como a uma licença por maternidade paga e a uma licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho.” Pelo que se poderia pensar que, em toda a UE, nenhuma mulher poderia ser despedida pelo facto de estar grávida. Só que entra aqui a interessante nuance da distinção entre princípios e direitos. Assim, o artigo II-112° “Âmbito e Interpretação dos Direitos e Princípios” baliza o alcance da Parte II da Constituição em que apenas os Princípios deverão ser obrigatórios, sendo que os Direitos devem respeitar as tradições dos países. Ou seja, o ponto 1. do artigo 93° enuncia um Principio genérico que não obriga a nada, o ponto 2, sendo um Direito, terá que se subordinar a uma eventual legislação nacional. Se num país uma mulher puder ser despedida por estar grávida, não é a Constituição que o vai impedir. Esta lógica aplica-se a toda a Parte II da Constituição.

Em suma, grandes declarações de princípios que não obrigam ninguém a nada e sempre a preocupação de que os Direitos Fundamentais não ponham em causa o funcionamento do mercado.

:: enviado por U18 Team :: 5/13/2005 10:14:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::

sexta-feira, maio 06, 2005

Constituição Europeia - A forma e o conteúdo

Costuma-se dizer que o conteúdo é mais importante do que a forma. Em geral concordo com a ideia. No caso particular de uma Constituição - texto fundamental que regula os direitos e garantias dos cidadãos e a organização política de um Estado (Dicionário Porto Editora) – não me pareça que se possa dissociar a forma do conteúdo.
A primeira surpresa, para quem se dê ao trabalho de ler a Constituição, é a sua extensão : um preâmbulo, 448 artigos repartidos por 4 Partes, 36 protocolos, 2 anexos e duas declarações, num total de 475 páginas. Em comparação, a Constituição portuguesa (que não é nada pequena) tem um preâmbulo e 299 artigos em 89 páginas, a francesa tem 89 artigos em 26 páginas e a americana 7 artigos ou 24 secções que cabem em 5 páginas.
A leitura deixa-nos sem saber se estamos perante uma Constituição, um Tratado, uma Lei ou um Regulamento. Talvez de tudo um pouco: encontram-se no mesmo texto grandes declarações de princípios (I), decretos (ex: III-161), regras de funcionamento (III-184) e directivas (Ficamos a saber pelo Anexo I que o artigo III-226 se aplica a tripas, bexigas e buchos de animais, entre outros). Mistura-se o essencial com o detalhe.
As regras comuns, entre Estados ou entre Instituições, são de uma complexidade incrível. Os poderes legislativo e executivo são partilhados por diversas Instituições. O processo de decisão varia consoante a área de que se está a falar. É reconhecida a independência das Instituições, implicitamente (Tribunal) ou explicitamente (Banco Central), mas diz-se que deve haver “uma cooperação leal” (I-19-2) entre elas, o que quer que isso queira dizer.
O texto é extraordinariamente difícil de ler e, mais importante, de interpretar, abrindo a porta a toda a espécie de conflitos jurídico/constitucionais.

A Constituição Europeia está dividida em quatro partes : definição de objectivos, direitos fundamentais, regras de funcionamento e disposições gerais. Até aqui nada a dizer. A estrutura é, de alguma maneira, lógica. Só que 130 das 202 páginas que não são Protocolos e Anexos correspondem à Parte III – Políticas e Funcionamento da União, ou seja 2/3 da Constituição são para definir as regras de funcionamento da UE.
Mais, o grosso da Constituição (263 páginas) são os Protocolos e Anexos, a que só se dará a devida importância quando for preciso olhar para eles. Embora haja alguns de duvidosa utilidade (seria mesmo necessário acrescentar um protocolo para proteger o povo Sami ? isso não deveria ser óbvio numa Constituição como parte integrante dos direitos fundamentais ? ou as minorias que não são expressamente declaradas não são para proteger ? e seria mesmo necessário definir o euro como moeda da UE (I-8°) e depois acrescentar um protocolo a isentar o Reino Unido e a Irlanda ? não bastaria declarar que o euro é a moeda da UE para os países que a ele aderiram ? ) outros há, como o Protocolo Relativo aos Critérios de Convergência, que prometem discussões interessantes em momentos de aperto económico.

Estes aspectos formais só são importantes na medida em que se reflectem, como seria de esperar, no conteúdo. Sem querer alongar-me muito sobre o que está na Constituição (ficará para outros posts) dou apenas dois exemplos de “clareza”:
A propósito do Comité Económico e Financeiro, (Artigo III – 192 c)) “Sem prejuízo do artigo III-344.o, contribuir para a preparação dos trabalhos do Conselho a que se referem o artigo III-159.o, os n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo III-179.o, os artigos III-180.o, III-183.o e III--184.o, o n.o 6 do artigo III-185.o, o n.o 2 do artigo III-186.o, os n.os 3 e 4 do artigo III-187.o, os artigos III-191.o e III-196.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-198.o, o artigo III-201.o, os n.os 2 e 3 do artigo III-202.o, e os artigos III 322.o e III-326.o, e exercer outras funções consultivas e preparatórias que lhe forem confiadas pelo Conselho;”. Bastante claro, não ?
Outro exemplo: “Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou colectivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.”.
Agora digam-me se, à luz deste artigo, a recente lei francesa sobre a interdição de símbolos religiosos em locais de serviço público, é constitucional ou não. O Tribunal Constitucional francês fez um favor a Chirac ao dizer que sim, outros constitucionalistas franceses continuam a afirmar que a lei será anticonstitucional se a Constituição Europeia for aprovada. Basta que uma organização muçulmana (porque foi contra o véu islâmico nas escolas que a lei foi feita) recorra para o Tribunal de Justiça Europeu e lá vamos nós para um debate político/religioso sem fim.
Na verdade, a sensação com que se fica é a de que a redacção de alguns artigos é propositadamente ambígua, quem sabe se no propósito de deixar para mais tarde e para outros a interpretação exacta de alguns pontos mais polémicos.

Um outro aspecto formal da Constituição é a sua tendência para se repetir. Um exemplo : a igualdade entre homens e mulheres é declarada no Artigo I-3°, no II-83°, no III-116°, no III-210° e no III-214°. Eu sei que o assunto é importante, mas é preciso repeti-lo cinco vezes numa Constituição ?
Outro : a protecção do ambiente aparece sete ou oito vezes na Constituição apesar de ter uma secção (III – 5) que lhe é inteiramente dedicada.
E as repetições continuam ao longo da Constituição, mesmo para assuntos mais comezinhos como as regras de votação. Conforme se vai avançando na leitura, mais nos fica a sensação de que se já leu aquilo em qualquer parte. Desafio: quantas vezes é mencionado o mercado na Constituição Europeia ? Resposta : 76. E na Constituição portuguesa ? Resposta : Uma !

Em suma, ao mesmo tempo que se fala de abertura e democracia, cria-se uma Constituição de tal maneira complexa que apenas um numero diminuto de cidadãos a compreenderá. Ao mesmo tempo criam-se condições para que um órgão político como é o Tribunal de Justiça (lá iremos mais tarde) interprete a Constituição em função das conjecturas políticas momentâneas, o que é manifestamente contraditório com a noção de Constituição.
Mesmo do ponto de vista formal a Constituição é mal feita. Extensa, complicada, repetitiva e ambígua.

:: enviado por U18 Team :: 5/06/2005 08:50:00 da manhã :: 0 comentário(s) início ::