BRITEIROS2: abril 2005 <$BlogRSDUrl$>








sexta-feira, abril 29, 2005

Constituição Europeia - A génese

Para nos situarmos melhor neste debate sobre a Constituição Europeia e ajudar a perceber como chegámos até aqui, creio que é importante recordar como tudo começou.
A Constituição Europeia não nasceu de uma revolta popular, de uma revolução ou mesmo de um movimento de opinião pública. Perante a tremenda confusão das dezenas de tratados que regem a UE e o receio de que a entrada de novos países provocasse a paralisia das Instituições, o Conselho Europeu de Laeken em 2001 decidiu nomear uma Convenção com o objectivo de unificar os Tratados e simplificar o funcionamento da UE. Se lermos a declaração de Laeken (ver http://european-convention.eu.int/pdf/LKNPT.pdf) damo-nos conta de que não é pedida nenhuma Constituição (a própria designação oficial da Convenção é “Convenção sobre o Futuro da Europa”). O que se pede é que a Convenção se debruce sobre os várias questões consideradas importantes para o futuro da UE e que apresente recomendações ou opções como resposta a essas questões. É a Convenção que decide produzir uma Constituição.

Ao contrário do que afirma o preâmbulo da Constituição, esta convenção não foi mandatada pelos cidadãos europeus. É o presidente da Convenção, na ânsia de protagonismo que o acompanhou durante toda a vida, que começa a falar de Constituição praticamente desde o inicio dos trabalhos.
A Convenção era constituída pelo presidente, V. Giscard d’Estaing, dois vice-presidentes, 56 representantes dos Estados membros e dos Estados (na altura) candidatos, 16 representantes do Parlamento Europeu, 28 representantes dos governos europeus e 2 representantes da Comissão Europeia.
O trabalho de síntese e redacção foi entregue a um secretariado composto por funcionários da UE e o essencial da discussão passou-se ao nível do Presidium composto por V. Giscard d’Estaing (só para dar uma ideia da concepção de missão do senhor, a primeira coisa que exigiu, e obteve, foi o mesmo salário que o Presidente da Comissão: 22.383,00 euros/mês), os vice-presidentes Giuliano Amato e Jean Luc Dehaene, os dois representantes da Comissão: Michel Barnier e António Vitorino, representantes dos governos grego, espanhol e dinamarquês, dois representantes dos parlamentos nacionais e dois representantes do Parlamento Europeu. Ou seja apenas 1/3 foram eleitos directamente pelos cidadãos. Este grupo de pessoas não foi sequer eleito pelo resto da Convenção. Os trabalhos desenrolaram-se no essencial dentro deste grupo e houve membros da Convenção que não votaram uma única vez.
É verdade que as sessões plenárias da Convenção foram públicas, que houve um site actualizado diariamente descrevendo o desenrolar dos trabalhos e que havia um forum em que todos podíamos participar. Manifestamente, não foi suficiente.
De resto, basta que qualquer um de nós faça uma rápida consulta a familiares e amigos para aferir o baixo grau de publicidade do trabalho da Convenção.
Mais a mais, quem acompanhe (mesmo que à distância, como eu) a maneira como se desenrolam este género de reuniões, sabe que existem três métodos para obter consensos: o cansaço, a chantagem e a pressão da urgência. No caso da Convenção foi este ultimo o mais utilizado: o Secretariado (dirigido por um inglês que teve o cuidado de deixar de fora tudo o que pudesse desagradar ao governo britânico) preparava o texto, o Presidium modificava algumas virgulas e aprovava, sendo que na maioria das vezes a aprovação era feita com VG d’Estaing a ler o artigo e a dizer logo de seguida “se ninguém se opõe, está aprovado”. O resto dos membros da Convenção serviu apenas para dar uma cobertura “democrática” ao que já tinha sido aprovado e em pouco contribuíram para o texto. Finalmente, o Conselho Europeu (de que tenho sérias dúvidas se algum primeiro-ministro leu o texto completo) fez algumas alterações de pormenor e apresentou-nos uma Constituição.

Poderá uma Constituição elaborada desta maneira pretender emanar do povo?
Uma das maiores conquistas dos Estados democráticos é o de o poder constituinte pertencer ao povo, o único com legitimidade de definir em que condições delega o seu poder.
Os americanos inventaram o principio da assembleia constituinte em 1776. A Europa abraçou a ideia, a começar pela revolução francesa em 1789 até aos exemplos mais recentes da Itália em 1945, Grécia em 1975, Portugal em 1976, da Espanha em 1978 e da Polónia em 1997.
Este principio, para ser democrático, tem de ter por base a publicidade entendida no sentido em que o debate entre os mandatários eleitos terá que ser público e contraditório.
Quase todas as Constituições começam afirmando a soberania do povo : “ A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português [...] no respeito da vontade do povo português”, “le peuple français proclame [...]
le gouvernement du peuple, par le peuple, pour le peuple”, “We the people of the United States ...”, “hat sich das Deutsche Volk kraft seiner verfassungsgebenden Gewalt dieses Grundgesetz gegeben.”, etc.
Na Constituição Europeia a soberania do povo nunca é mencionada. A referencia ao povo que se faz no preambulo é a seguinte "Gratos aos membros da Convenção Europeia por terem elaborado o projecto da presente Constituição, em nome dos cidadãos e dos Estados da Europa"
ou seja, a Convenção congratula-se a si própria e autonomeia-se representante do povo colocando ao mesmo nível cidadãos e Estados, como se o poder dos Estados democráticos tivesse uma existência própria independente dos cidadãos que o constituem.


:: enviado por U18 Team :: 4/29/2005 01:39:00 da tarde :: 0 comentário(s) início ::

segunda-feira, abril 18, 2005

Os professores no modelo finlandês

À semelhança dos alunos finlandeses, também os professores não se podem queixar. Especializados ou não, frequentaram todos cinco anos de estudos superiores, no mínimo. A formação contínua é obrigatória ao longo da vida e fora do horário de trabalho. A selecção é severa: um em cada seis candidatos é escolhido. A profissão é apreciada, não tanto pelos salários modestos (entre 2200 e 3000 euros mensais), mas pelo reconhecimento social e pelas boas condições de trabalho. Nos estabelecimentos escolares, a sala dos professores revela um luxo de fazer empalidecer de inveja os seus colegas portugueses. Trata-se duma espécie de quartel general, que agrupa a administração, o gabinete do director, a grande sala comum com mesas e sofás confortáveis, plantas, café, bolinhos... Há mesmo um vestiário, canto de cozinha, sala de informática e sala de trabalho, para aqueles que preparam as aulas na escola.
Já estamos a imaginar os mais críticos a perguntarem-se: pois é... mas quanto é que tudo isso deve custar? Pois bem: as despesas finlandesas na educação não são superiores às nossas. O dinheiro é que é utilizado de modo diferente. O sistema é completamente descentralizado. O Ministério da Educação conta com uns escassos 300 funcionários. Os estabelecimentos escolares são financiados, em pouco mais de metade, pelo Estado e, no restante, pelos orçamentos das 446 autarquias finlandesas. O director e os professores decidem tudo: as compras, os trabalhos a realizar, as actividades dos alunos. São também eles que definem os conteúdos e os programas nas diferentes matérias, em concertação com as autarquias, dentro do âmbito alargado dos programas fixados pelo Ministério todos os quatro anos.
Outra heresia, vista de Portugal, a escola encarrega-se do recrutamento dos professores. A ideia que um professor possa, como aqui, cair de paraquedas num estabelecimento, sem ter sido escolhido pela equipa dos professores locais parece ser no mínimo absurda. Quando aparece uma vaga, o director recebe directamente dezenas de candidaturas que convoca para entrevistas. O candidato escolhido deverá ter os mesmos objectivos do resto da equipa, para melhor trabalharem em conjunto.

Numa altura em que o “modelo nórdico” paira sobre as ambições dos nossos políticos mais destacados, e em pleno período de preparação do próximo ano lectivo, talvez não fosse má ideia começarmos a reflectir sobre a melhor maneira de fazer evoluir o nosso controverso sistema escolar, com base em exemplos de sucesso.

:: enviado por JAM :: 4/18/2005 02:12:00 da tarde :: 0 comentário(s) início ::